sexta-feira, 2 de maio de 2008

Reflexões de 1º de Maio: Profissional

Quem nunca ouviu a frase: "Você deve separar o profissional do pessoal" ? É sobre isso que me auto-indaguei durante o Primeiro de Maio. Estava eu nas comemorações de 1º Maio em Campinas, onde pude perceber que essa festa tem um grande caráter socialista e classista. "Standes" da União da Juventude Socialista, do PCdoB, da CUT, Força Sindical e várias outras centrais sindicais do país promoveram o evento. Posteriormente militantes do PTB bradavam suas bandeiras.

Durante o evento era sorteado um carro. A multidão se amontoava em volta dos representantes da empresa que dera o carro para sorteio perguntando-os sobre horário do sorteio, distribuição de cupons, entre outras informações. A moça que respondia, estava sendo grosseira, atravessando a todas as perguntas com respostas do tipo: "Eu não sei de nada, só estou dizendo o que me passaram". No momento, tentei compreender o fato de essa pessoa ser uma assalariada, tanto quanto todos os presentes, e de que não era nada agradável trabalhar no feriado. No entanto me veio à cabeça: "Profissionalismo". Comecei a filosofar sobre isso, então.

PROFISSIONALISMO

Na concepção do profissionalismo, o comportamento correto dessa trabalhadora deveria ser de, como representante da empresa que sorteara o carro, fornecer as informações com um mínimo de respeito aos participantes do concurso, sendo educada simplesmente e atendendo aqueles que justificam sua presença ali. Percebi então que, se por um lado, sermos profissionais nos atribui uma ética de conduta para com as pessoas, na condição de clientes, como estes sendo a razão da existência de nosso posto, por outro lado, é uma permissão para nos distanciarmos do respeito ao próximo na condição de pessoas, cidadãos.
A medida em que a conduta "profissional" se torna um pretexto para submetermo-nos às condições impostas no trabalho, que muitas vezes são adversas e até mesmo contra nossas naturezas ética, étnica, cultural, religiosa, moral e humana, as relações de trabalho entram em atrito. O patrão que demite o funcionário que tem família para sustentar, contas a pagar e que provavelmente não conseguirá outro emprego tão fácil, livra-se da consciência ao estar exercendo o papel de patrão e tudo que isso significa no seu ambiente de trabalho ou na sociedade. Ele não tem culpa pessoal pela desgraça do seu funcionário, pois isso compete à esfera profissional. Lhe permite focar-se apenas no bom funcionamento da empresa para qual trabalha e de qual é cobrado por tal conduta de "profissionalismo". Não importa, nesse caso, o que é ético. Importa o que a empresa e seus patrões em questão julgam ser ético. Não é raridade, no entanto, empresas julgarem ético aquilo que lhes beneficiam em números. Isso vaza a cada nível dentro de uma empresa, forçando trabalhadores a romperem qualquer vínculo "humano" com seus semelhantes, dificultando a união de classe. Para o "profissional", não é possível enxergar outros níveis hierárquicos como sendo semelhantes a ele. Dentro da empresa, patrão é uma "raça" diferente, segundo essa conduta. Ao perceber isso, os funcionários também a adotam, distinguindo assim, chefe de pessoa.

Sendo assim, então, eu acho que patrões não deveriam mandar funcionários embora, certo? Errado. Definitivamente não acho que seja por aí. Não podemos abusar desse conceito perversamente, porém. Não podemos simplesmente ignorar o esforço do trabalhador e sua condição social em relação ao que a empresa o oferece e apenas contabilizarmos os números. Isso é uma conduta primitiva, mas muito aceita e corriqueira, ainda. Desrespeitos a outros trabalhadores, no entanto, não deveria ser tolerado nesse "regime". E é totalmente o inverso.

PAPEL DA SOCIEDADE

Com visões distorcidas sobre profissionalismo é que a sociedade civil cobra cada vez mais dos trabalhadores, sem também considerarem suas condições, que muitas vezes são degradantes e ainda enfrentam trabalho caseiro diariamente, ao cuidar da família, da casa ou o que quer que seja. Eu achei que a moça estava sendo mal-educada. Mas a coisa se distorce, a medida em que essa atitude ativa nas pessoas o sentido de mercado e desperta o ser "profissional": "Se eu fosse o chefe dela, punha na rua!". Não paramos para pensar, porém, que a culpa pode TAMBÉM ser do chefe. Na medida em que este não proporciona condições agradáveis de trabalho.
A falta de respeito do funcionário com o cliente, também é gerada por uma visão deturpada de "profissionalismo". O funcionário enxerga o cliente como a "preciosidade" do patrão e por isso o ataca. Já que não pode atacar o patrão, desconta no fruto de seu lucro. Esquece que quem está do outro lado é uma pessoa e também trabalhador, provavelmente, e então perde o senso humano e pessoal ao enxergar o cliente apenas como mercado. Afinal, no horário comercial, a sociedade resume-se a produtos. Somos vítimas do profissionalismo. Não podemos condenar trabalhadores sob esse pretexto.

Não discurso aqui contra o chefe, nem contra o empregado. Digo a favor da justiça e da melhora da condição patrão x empregado. Nenhum deve ser julgado anteriormente, na minha concepção, condenados pela conduta "profissional". Isso é um erro. É a licença para sermos insensíveis em relação a nós mesmos.

Um comentário:

Beto - J.H.V. disse...

Excelente esse texto!! Aliás todos os artigos são muito bem escritos. Esse tema do profissionalismo e a relação entre patrão e empregado eu sempre discuto com as pessoas que convivo, mas a opinião da maioria é essa de o patrão ter sempre razão, pois todos pensam se tivessem no lugar dele fariam a mesma coisa. Aquele quadro sobre dicas de como se comportar no trabalho e no mercado de trabalho que passa no Fantástico e do Jornal Hoje da Globo é ridículo.O cara q apresenta só falta dizer q se o patrão quiser um favor sexual seu, vc deve baixar a cabeça e fazê-lo para não atrapalhar sua "ascensão" na empresa. Muito bom o texto.